A imagem de senhores aposentados jogando damas, seja na praça Tubal Vilela, seja na praça do Santuário Nossa Senhora Aparecida, já está registrada no imaginário do povo uberlandense. O que muitos desconhecem é que os jogos de tabuleiro estão se tornando mais do que recreação para as crianças e distração para os idosos. Uma crescente quantidade de jovens e adultos estão aderindo à nova geração de jogos, mais estratégicos e colaborativos que os tradicionais.
Realidade fora do Brasil, os chamados jogos modernos, eurogames ou boardgames foram introduzidos no país em meados dos anos 2000, por pessoas que importavam títulos dos Estados Unidos, Europa e Ásia. A maioria dos jogadores, que se reúne em grupos, foi iniciada por clássicos, como Banco Imobiliário, Imagem e Ação, Ludo e Detetive, dos quais os novos jogos são espécies de desdobramentos mais complexos. A origem da nova geração são os jogos de simulação de combate.
“Jogo desde os meus 10 anos. Primeiro, na escola, com os jogos tradicionais. A partir daí, conheci outros jogos e pessoas afins”, diz o analista jurídico Fernando Bellemo de Toledo Piza, de 26 anos. Atualmente, ele participa, entre outros, de um grupo de pessoas do trabalho, que se reúne semanalmente desde 2014, em casa. “Regularmente, somos seis pessoas, mas tem aqueles que vêm vez ou outra. Sempre pedimos comida e bebida e viramos a noite jogando, vamos das 19h até madrugada”, afirma Piza.
Os jogos preferidos do grupo são Civilizadores de Catan, baseado na construção de civilizações; Ticket to Ride, construção de ferrovias; e Eldritch Horror, baseado nas obras de H. P. Lovecraft. “Antes. havia muita dificuldade de acesso, as pessoas tinham que que importar os jogos. Mas o mercado interno está se abrindo mais para a tradução e criação”, diz Piza. O tradutor e revisor Vinícius Silva de Ulhôa, de 30 anos, também descobriu a nova geração de jogos depois que um amigo voltou do exterior trazendo exemplares, em 2008.
Entre os títulos preferidos de Ulhôa, estão Munchkin, Sheriffs of Nottingham, Carcassone e Zombicide. “A gama de temas e possibilidades é maior. Hoje, existem jogos que exploram estratégia, colaboração, negociatas. São pouco aleatórios, dependem menos da sorte. Em vários deles, é normal que todos os jogadores fiquem até o fim da partida. Nos jogos recentes, há créditos para o criador. Não sei quem é o criador do War, mas sei que o Steve Jackson criou o Munchkin, por exemplo. Ficou mais autoral”, diz Ulhôa.
EM FAMÍLIA
Embora não tenha deixado para trás jogos, como Imagem e Ação, Detetive e Scotland Yard, o físico e professor da Universidade Federal de Uberlândia, Erick Piovesan, de 37 anos, ingressou no universo dos eurogames logo que foi apresentado aos títulos por um amigo, em 2008, que trouxe o jogo Carcassonne da Escócia. “O que mais me atraiu foi a possibilidade de se jogar jogos mais estratégicos e, eventualmente, colaborativos”, diz Piovesan.
Egresso do RPG, o grupo de jogadores que frequenta começou a se reunir em 2009. “Em pouco tempo, já estávamos comprando jogos fora do país e hoje temos uma bela coleção. Depois, apresentamos esses jogos à nossa família e amigos. Muitas vezes, temos que montar duas mesas de jogo. Em um dia bom, chegamos a juntar 12 pessoas”, afirma Piovesan, que tem na esposa uma companheira.
LOJA ESPECIALIZADA E TRADUTOR LOCAL
O doutorando em Engenharia de Softwares, Rodrigo Domingues, de 38 anos, se interessou pela vertente de jogos quadriculados que avança o conceito dos clássicos. Ele prestava serviço para o LSI-Tec, laboratório da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), em 2003, quando se interessou pelo jogo asiático Go, que os colegas de trabalho praticavam. “Enquanto os outros trabalham a conquista de peças, Go atua na conquista de territórios. Jogamos em um tabuleiro quadriculado, que pode variar de tamanho segundo a experiência do jogador”, afirma.
Domingues tem um grupo com cerca de 15 pessoas, que se reúne há dois anos – antigos companheiros de jogos de RPG que migraram para os tabuleiros. “Estes jogos evoluíram, ganharam uma retórica diferente do avançar e conquistar. E RPG demanda tempo de preparo. Uma seção de RPG pode durar até 10 horas. Quando a gente chega à vida adulta, o tempo é um fator crucial”, diz o engenheiro.
Jogador de RPG há 18 anos, Ismael Neto abriu a única loja especializada em boardgames de Uberlândia, para atender à demanda de jogadores na cidade, sobretudo, por títulos traduzidos. Atualmente, há três grandes editoras especializadas no Brasil – Galápagos Jogos, Devir Livraria e Redbox, que já investem em jogos próprios. Em Uberlândia, pelo menos, 30 pessoas frequentam a loja para encomendar ou comprar boardgames e acessórios, diz Neto, para quem a grande barreira ao acesso, além do desconhecimento sobre a da nova geração, é o custo dos jogos modernos.
O tradutor e revisor Vinícius Ulhôa disse que, depois de longo período estagnado, o mercado de jogos de tabuleiro aqueceu pela evolução do mercado editorial. Desde 2012, ele atua como tradutor de um site do game de computador “League of Legends”.