Em tempos de celular, internet e redes sociais, jogar xadrez pode parecer algo excêntrico. Ainda mais entre crianças. Não nos Jogos Escolares da Juventude, cuja modalidade em Curitiba é disputada por 56 alunos entre 12 e 14 anos de todo Brasil. Em Lacerdópolis, cidade catarinense da medalha de ouro Maria Eduarda Gomes, rei, rainha e dama fazem parte do vocabulário.
– Na minha cidade é bem comum. Consigo me organizar. Treino três vezes por semana. Divido bem o meu tempo. Vejo séries, me divirto. Hoje em dia é possível jogar e acompanhar partidas online pela internet – disse.
Vencedor entre os garotos, o paulista Alberto Bonvini aprendeu em casa, com a mãe, e depois passou a frequentar um clube. A irmã mais velha vai para a Europa jogar xadrez. Ele não vê problema em conciliar internet e xadrez.
– Eu gosto muito dos dois. O xadrez é melhor porque você sai da vida sozinha pra conhecer mais pessoas. Consegui bolsa em uma escola que melhorou os meus estudos e consegui muitos amigos. Eu sou uma pessoa concentrada, mas que brinca também. Mas não no momento errado – disse.
No pódio dominado por estados do Sul e Sudeste, chama a atenção João Gabriel Cassimiro, do Rio Grande do Norte. Medalha de bronze, o aluno do colégio Aluizio Alves vive em Poço Branco, cidade sem saneamento e asfalto, a 60 km de Natal. Diz não ligar muito para o mundo digital.
– Não, não, prefiro xadrez. Comecei a jogar na rua. Tava jogando bola e meus amigos me chamaram. Me ajudou muito na escola.
Por trás do sucesso de João está o trabalho de sua treinadora, Adna Lourenço. Há 13 anos lhe disseram que o xadrez ajuda a desenvolver a mente. Aprendeu sozinha e passou a ensinar crianças com dificuldade de aprendizado através de um trabalho voluntário – ela não tem registro de professora. Vai às escolas na hora do recreio e espalha tabuleiros.
– Eu corro atrás dos mais impossíveis, com as notas mais baixas, que dão mais trabalho. Vou até a casa deles, converso com os pais. Muitos que são agitados, com o xadrez se acalmam e não se envolvem com entorpecentes ou com baladas. Por mais que não se tornem enxadristas eles não se envolvem. O intelecto muda – disse Adna, que chegou treinar a seleção brasileira de xadrez.
Dentre as peças que se apresentaram no tabuleiro da vida, Adna precisou lidar com um aviãozinho do tráfico de drogas. Apelou para algo a mais do que o xadrez para dar o xeque-mate na criminalidade. Na ausência do pai do menino, já morto, disse que ela era o anjo que tinha a missão de cuidar dele. Dentre as doenças do mundo, Adna vê a internet como um mal a disputar a atenção das crianças. Mas que pode ser usado em benefício do xadrez.
– A internet dá mais trabalho porque tem que estar observando o tempo todo. Eu peço ajuda às mães porque eles se tornam doentes. Mas eles podem jogar xadrez pelo celular. É menos mal.