Jogos de tabuleiro resistem às mídias digitais e atraem novos fãs

Em um momento da história da humanidade onde quase tudo passa por digitalização, a inovação e crescimento do mercado de jogos de tabuleiro surpreendem.

Na contramão do sucesso dos videogames e joguinhos de celulares como Candy Crush, esse segmento encontrou uma brecha e uma demanda para continuar a existir e expandir seu alcance em nível mundial.

Segundo a Abrinq (Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos), 8,9% das vendas de brinquedos são representadas por esses produtos, o que gera um lucro de quase R$ 600 milhões anuais.

Jogos de estratégia e raciocínio conquistam uma parcela cada vez maior de fãs

Clássicos como War, Banco Imobiliário e Jogo da Vida ainda continuam conquistando novas gerações, mas títulos novos e com dinâmicas diferentes colaboram para esse retorno de interesse.

Além das tradicionais empresas do ramo, como Estrela, Hasbro e e Grow, editoras menores e independentes têm liderado a mudança no perfil dos jogos e de seus adeptos e adaptando sucessos internacionais para o mercado brasileiro.

Segundo Vicente Martin Mastrocola, professor da ESPM que também desenvolve jogos, o licenciamento de títulos famosos em outras mídias e e criação de de projetos que podem ser adaptados de forma paradidática são importantes para esse bom momento.

— Isso tudo impulsiona e estabelece novas portas de entrada para o consumidor. O nosso mercado ainda está longe de se igualar ao Europeu e Americano. O desenvolvedor aqui ainda carece de apoio. Mas estamos em um caminho positivo.

Para os fãs, esse renascimento do segmento teve origem na Alemanha, com o lançamento de Os Colonizadores de Catan, em 1995. O título influenciou novos jogos que traziam mecânicas mais elaboradas e maior fator de estratégia.

Jogos atraíram fãs na Comic Con

Desse período em diante, temas inovadores passaram a integrar cada novo lançamento. Ficção científica, fantasia medieval, história, economia e ainda universos inspirados em séries de TV ou cinema foram a tônica dessa retomada.

Ana Carolina Fernandes Ito, Gerente de Produto da Editora Devir, comenta que o fortalecimento da cultura geek também pesa nessa avaliação.

— Hoje a influência geek vem de todos os lados: cinema, séries, produtos, etc. Até quem nunca foi “nerd” frequenta esses eventos e consome os produtos. Nessas feiras, a área de demonstração de boardgames [games de tabuleiro] sempre é uma das mais disputadas.

RACIOCÍNIO E EDUCAÇÃO

Diretor de marketing da Galápagos Jogos, uma das principais fabricantes e desenvolvedoras do mercado nacional, Rodrigo Gyodai comenta que além do fator lazer, os jogos têm contribuído para o retorno do entretenimento offline e também para a educação infantil.

Institutos educacionais como Catavento Cultural, Fábricas de Cultura, Senac, Senai e Escolas públicas e privadas têm formado parcerias com as editoras para usar os títulos em atividades paradidáticas.

Os jogos não são desenvolvidos para fins educacionais, mas acabam sendo escolhidos para trabalhar mecânicas e regras que são usadas no ensino. O que, consequentemente, também ocasiona o interesse familiar pelos jogos, que já disputam espaço com os celulares e consoles de vídeo game nas casas.

— Existe a urgência de se desconectar e o boardgame oferece isso. A aproximação familiar também conta nesse interesse pelos jogos e por transformar essa atividade em algo coletivo.

Luderias e editoras independentes foram fundamentais na volta dos jogos

Para Ana Carolina Ito, ter contato com os títulos ainda na escola ajuda a criar também um público consumidor, que resultará em crescimento do mercado nos próximos anos.

— Acredito que o mercado não atingiu nem 20% de seu potencial, mas vemos crescer a procura a cada dia. Claro que temos que direcionar o jogo certo para cada idade. Não adianta mostrar jogos complexos a crianças, porque elas perderão o interesse logo. Mas, com o jogo certo, a criança jogará sempre, crescerá e se tornará um “gamer” [como são chamadas as pessoas “especializadas” em tabuleiros], criando assim uma nova geração de consumidores do produto.

ESPAÇOS PARA SOCIALIZAR

Além do impacto no ambiente educacional, famílias e grupos de crianças e adolescentes, os jogos de tabuleiro têm criado espaços para que adultos se encontrem e confraternizem enquanto jogam.

As chamadas luderias já são realidade em São Paulo. No bairro do Bixiga, é possível conhecer inúmeros títulos na Ludus, e ainda comer porções e tomar cerveja artesanal no local.

Na sede da editora Devir, também no centro, há um espaço dedicado aos jogos, em que é possível experimentar títulos antes da decisão de levar ou não um desses jogos para casa.

— Temos muitos parceiros que possuem espaços para os clientes testarem os jogos antes de comprar. Isso é essencial, pois muitos não conhecem esse tipo de jogo, e reafirmo: experimentando uma vez, a maioria já se apaixona pelo hobby.

Afinal, comprar jogos é uma decisão que depende de um investimento. Hoje, podem custar de R$ 50 a até R$ 900 (caso de títulos com miniaturas e tabuleiros em 3D). Em média, no entanto, dificilmente se gasta mais de R$ 200 por um jogo.

O preço pode assustar, mas Vicente Martin Mastrocola diz que é preciso realizar uma conta da utilização desse produto ao longo da vida. Dessa maneira, o gasto é diluído.

— Qual entretenimento físico na atualidade vai reunir tantas pessoas e custar tão pouco para cada um? Cinema é caro, shows também. Então, se for calcular o quanto este jogo será usado no decorrer do tempo, é uma das formas de diversão mais baratas que temos hoje. E se a pessoa tem dúvida se vale a pena, basta fazer um teste numa luderia e ler resenhas nos sites especializados e canais de YouTube. Não tem como comprar no escuro.

NOVA CARA

Esqueça tudo que você se acostumou sobre jogos de tabuleiros. Hoje, não só o visual e a temática são bastante diferentes, mas a jogabilidade mudou também. O confronto pessoal deu lugar a jogos cooperativos, jogos de festa (com regras simples e desenvolvimento rápido), os já clássicos RPGs, jogos familiares onde ninguém é excluído até o fim, e claro, card games, que tem como principais expoentes no Brasil o Magic e Yu-Gi-Oh.

Entre os destaques da atualidade, vale citar 7 Wonders, onde o jogador utiliza recursos para reconstruir uma das sete maravilhas do mundo. Zombicide, por outro lado, exige que o jogador tente sobreviver a um apocalipse zumbi. Já Catan cria a experiência de colocar o usuário como um colonizador na época do Renascimento, tendo que formar uma e dominar novas terras. Já Agricola tem como base a administração de uma fazenda.

Rodrigo Gyodai comenta que essa diversidade aliada ao interesse crescente poderá finalmente colocar ponto final naquela fatídica pergunta: “o computador e os videogames vão acabar com a diversão física”?

— Acredito que todo esse interesse e as novidades respondem a pergunta. Houve esse temor no passado, mas hoje está mais claro que isso não acontecerá, até porque os próprios jogos de tabuleiro têm ganhado versões para celulares e computadores. Essa migração é um sinal positivo sobre o poder de integração de todas as mídias na atualidade.

FONTE: R7

 
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